Ubatuba, 14 de Abril de 2022
Ressaca é
um termo utilizado na ciência para denominar a elevação da superfície do mar na
costa, causada pela soma de três processos físicos: empilhamento pelo vento,
onda e maré.
Nos
dias 31 de Março, 1º e 2 de Abril, foi registrado no Litoral Norte de São Paulo
e Sul Fluminense, além de uma grande ressaca no mar, um recorde no índice
pluviométrico, indicando quase 600 mm de chuva em Ubatuba.
Essa somatória de processos
meteorológicos resultou num prejuízo, estimado pela Defesa Civil de Ubatuba em
mais de R$ 16 milhões ao município. O cenário desastroso implicou em 65 pessoas
desabrigadas, diversas comunidades isoladas, rompimentos na distribuição de
água e energia, deslizamentos de encostas, desmoronamento de edificações,
pontes e infraestruturas de drenagem.
Além dos prejuízos socioeconômicos, esta catástrofe também trouxe à tona os prejuízos ambientais que causamos ao longo da história, levantando questionamentos e indagações da comunidade e para a comunidade. As imagens ao longo de toda a zona costeira nos mostrou que a ressaca foi além do mar e da chuva, nossa ressaca também foi moral!
A CONEXÃO DA BACIA
HIDROGRÁFICA DE ITAMAMBUCA COM O RESTO DO MUNDO
Vamos
fazer um recorte do nosso território, que é a Bacia Hidrográfica do Rio
Itamambuca, para podermos entender um pouco mais sobre o ocorrido.
Após
três dias de ressaca e tempestade foi quase impossível caminhar pela praia de
Itamambuca. Em meio a uma quantidade, muito acima do normal, de restos de
matéria orgânica, madeiras, animais mortos e até mesmo árvores inteiras, nos
deparamos também com uma quantidade absurda de lixo trazido pela maré.
Mas
qual a origem desse material natural e não natural presente nas nossas areias?
De quem é a culpa? Quem é o responsável pelo recolhimento?
Bem,
antes de qualquer coisa, podemos afirmar que a natureza nunca foi estática e
processos climáticos ocorrem. Apesar de vivermos em uma região que possui como
característica um alto índice pluviométrico, esse período foi registrado como
um dos maiores da história e não por acaso.
Segundo
o último relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas – lançado em fevereiro, durante as próximas duas décadas, a
humanidade enfrentará uma série de riscos climáticos inevitáveis provocados
pelo aquecimento global de 1,5°C. E esses eventos já começaram.
Então
podemos afirmar que sim: o desmatamento da Amazônia pode ter relação direta com
essa chuva. No Brasil, a derrubada e a queima das árvores liberam gases de
efeito-estufa e nos colocam entre os maiores emissores no Planeta. A Floresta
Amazônica é de extrema importância para a regulação do clima global. Portanto,
a perda dessa vegetação resulta em um Planeta mais quente e com eventos
climáticos (como secas e inundações) cada vez piores.
Além
de estarmos sob os efeitos mundiais, também temos os efeitos em escala local,
como a ausência de planejamento e ordenamento da ocupação deste território. A ocupação
desordenada da Bacia Hidrográfica, onde a legislação de proteção de Área de
Preservação Permanente (nascentes, restinga, matas ciliares e mangue) não é
respeitada, traz graves consequências socioambientais.
Segundo
o atual Código Florestal, Lei nº12.651/12:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (…)
II – Área de Preservação Permanente – APP: área
protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem-estar das populações humanas;
Enquanto
interferimos no curso natural das águas e suas áreas adjacentes, as quais devem
permanecer intocáveis, vamos sofrer diretamente com desastres. Portanto,
enchentes, desabamentos, o despejo de resíduos poluentes nos cursos d’água,
tudo está ligado diretamente à ausência de planejamento, regulamentação
fundiária e fiscalização.
Podemos
responsabilizar os órgãos públicos pela ausência de políticas que garantam um
desenvolvimento sustentável. Mas também precisamos nos responsabilizar pela
parcela que nos cabe.
Para
muitos, viver às margens do rio não é luxo e nem opção, mas um reflexo da
exclusão e diferença social. Para outros, no entanto, a construção em áreas
irregulares, sem saneamento básico, é uma questão de oportunismo e negligência
ambiental.
Então
voltamos aos questionamentos anteriores: “Mas qual a origem desse material
natural e não natural presente nas nossas areias? “
A quantidade de material natural presente na areia viria de qualquer forma, mesmo que numa proporção menor, e faz parte de um processo biológico e biogeoquímico natural, o qual alimenta uma macrofauna bentônica (crustáceos, moluscos e poliquetas) e até mesmo aves marinhas presentes nesse ecossistema.
Já
o lixo pode ter vindo do outro lado do Oceano, com a ressaca e fortes
ondulações, assim como da própria bacia hidrográfica, sendo carreado pelo rio
abaixo, desembocando no mar e sendo depositado na areia pela alta dinâmica de
ondas.
“De
quem é a culpa?”
De
todos nós. Somos todos responsáveis por negligenciarmos o impacto que causamos
no Planeta. Isso não é papo de “eco chato’’, mas um apelo pela nossa
sobrevivência imediata, uma constatação científica, com provas e dados
amostrais ao longo de décadas. Chegou, sim, a hora de rever hábitos, quebrar a
barreira da falta de conhecimento e, consequentemente, nos responsabilizarmos.
“Quem
é o responsável pelo recolhimento?”
Diante
deste cenário caótico, em escala local à mundial, por mais que seja necessário
responsabilizar servidores públicos, que poderiam atenuar uma grande parte do
problema com educação e planos de emergência, é necessário uma força tarefa de
toda a comunidade para estabelecer um ordenamento justo e consciente!
Precisamos
nos unir às associações de bairro que já estão organizadas e que cumprem um
papel fundamental para a qualidade de vida local. Precisamos apoiar nossa
escola para fortalecer e garantir que nossas crianças estejam prontas para
enfrentar o maior desafio da história planetária, o qual já bate em nossas
cinturas, literalmente. Precisamos votar em quem representa a nossa cultura sociobiodiversa
e biodiversa.
Para isso, precisamos saber e entender
o que nos cerca. É necessário entender que nosso Rio Itamambuca é a “veia” que
pulsa dentro desse ecossistema da bacia hidrográfica; que os materiais trazidos
pela ressaca e tempestade são o que corre nessas águas. E elas carregam não
somente o lixo, mas a biodiversidade destruída da Mata Atlântica, os resquícios
das comunidades negligenciadas que moram nesse território, como a Aldeia Rio
Bonito, o Quilombo do Sertão do Itamambuca e da comunidade caiçara.
Precisamos
entender que a qualidade de nossas águas é o reflexo de como tratamos o meio
ambiente e a nossa comunidade. Foram as águas que carrearam e nos trouxeram o
resultado não somente de uma ressaca meteorológica, mas a ressaca moral que
teremos que enfrentar por sermos negligentes.
Laura Piatto
Oceanógrafa,
Gestora do PGA Itamambuca.